Temos que ir atrás de dinheiro.
O departamento jurídico entra na recuperação com ações judiciais de cobrança, na possibilidade de troca de depósitos judiciais por seguro garantia de forma a fortalecer o caixa da empresa, e no pensar em que todo lugar há algo para extrair.
Ana Carolina Tavares Torres é presidente da Comissão Especial de Advocacia Corporativa da OAB/RS e Head of Legal do Grupo Sabemi, seguradora com sede em Porto Alegre e mais de 400 mil clientes no Brasil.
De centro de custo ao advogado corporativo com mentalidade estratégica e parte do núcleo do negócio, a advogada com 20 anos de atuação empresarial apresenta a evolução do departamento jurídico de gestão híbrida ao lado dos escritórios de advocacia.
Curioso? Então, siga a entrevista exclusiva e veja como alavancar resultados no departamento jurídico das empresas.
Como organizar o departamento jurídico?
Vemos hoje, em grande maioria, uma estrutura interna enxuta, forte na área de contratos, com o consultivo muito internalizado, e com a terceirização do volume de massa, dos processos altamente especializados e de demandas penais que são, via de regra, voltadas aos escritórios externos.
Evolução do Departamento Jurídico
Até os anos de 1980, nós tínhamos grandes estruturas jurídicas dentro das empresas. Veja o Banco do Brasil. Havia praticamente um escritório de advocacia dentro de uma empresa.
Víamos no geral estruturas inchadas, as discussões dos departamentos eram essencialmente jurídicas, da linguagem rebuscada onde o advogado conhecia apenas a sua própria atividade.
Eu ainda peguei um resquício entre o final dos anos 1990 e o início dos anos 2000 do: para que algo não aconteça na empresa, passe ao jurídico.
Os anos de 1990 trazem uma linguagem disruptiva e vemos uma terceirização radical.
São os tempos das grandes bancas de advocacia, vem a prestação de atendimento full service, mas com extrema falta de controle e comunicação.
A terceirização 100% trouxe então a sensação de insegurança para as empresas.
Dessas duas experiências, chegam os anos 2000 que perpetuam até hoje um jurídico interno centralizado. Que fala de pessoas, de gestão, mas que também não realiza toda a sua operação dentro de casa.
A parte massificada é terceirizada aos escritórios externos que tratam do controle estratégico do volume e também dos processos com demandas altamente específicas.
Trata-se de uma gestão híbrida, com mais ou menos da gestão dos departamentos internos. Essa balança irá depender da companhia, da senioridade do gestor e do nível de ingerência sobre os terceiros.
“Jurídico é apenas um centro de custo”. Como reverter? E qual a relação departamento jurídico x escritório de advocacia? Há conflito?
Ao termos a ciência de que se é caro manter um departamento jurídico, é ainda mais não ter.
Quando analisamos a relação dos departamentos e dos escritórios externos e surge a dúvida se existe algum conflito de interesses, é claro que o escritório quer chegar ao fim do dia e faturar.
Esse conflito pode até existir, mas ele pode ser mitigado quando chegamos na questão das parcerias.
É o momento que o escritório entende ser parte do negócio e a empresa também entende o escritório como parte dela.
Alinhamento de expectativas entre o departamento jurídico e o escritório de advocacia. O serviço pode ser muito bem prestado, mas a maneira de como é vendido pode fazer toda a diferença ao negócio.
Você pode dar uma má ou boa notícia, mas não surpreender o seu administrador.
Multas e penalizações aos escritórios
Das penalidades e multas sobre a qualidade dos serviços jurídicos prestados, o que é contratado ou negociado não sai caro.
Se eu tenho uma previsão contratual nesse sentido, uma maturidade em relação aos dados, as penalidades devem ser cumpridas, inclusive por entrar aqui o respeito da relação.
Quando analisamos as pesquisas sobre os motivos de contratação dos escritórios de advocacia por grandes empresas, o rápido atendimento surge como o primeiro item.
E, provavelmente, os escritórios estão preocupados com o custo de honorários. Pensam em orçamento.
Já na outra ponta sobre os motivos das rescisões de contratos, pesquisas apontam a má qualidade dos serviços jurídicos.
Em resumo, o escritório, para fidelizar, precisa conhecer o negócio da empresa, apresentar soluções criativas e inovadoras somadas à inteligência emocional, ter uma resposta ágil e também ser bom na área técnica de atuação.
Ser bom é uma commodity ao advogado, quase uma obrigação, enquanto todos os demais elementos que trarão o completo destaque.
Como desenvolver uma mentalidade estratégica ao advogado corporativo?
Uma mentalidade estratégica no advogado passa pela liderança e por treinamento. O que foi passado na Universidade não será suficiente neste novo mundo, muito menos ao advogado corporativo. As habilidades de gestão, negociação e desenvolvimento precisam ser trabalhadas.
O novo advogado sai da Universidade com uma visão processualista, de litigância, sabe estudar mais a ferramenta e não o produto final.
É preciso adaptar este profissional a uma visão empresarial, de business, e aprender a desenvolver um “ganha-ganha”.
Um profissional precisa ser conhecedor do negócio, do setor e da cultura empresarial. Estamos falando em uma reinvenção do advogado para um novo modelo de gestão do departamento jurídico?
Sim, vejo a reinvenção do advogado em novo modelo de gestão mais ágil, prático e realista, com menos juridiquês e mais próximo do negócio.
Precisamos acreditar nisso e também deixar a visão do advogado do “salvo melhor juízo” e que precisa por a mão na massa.
Do advogado sendo parte da empresa.
Entendo que o mundo pós-Covid19 trará também um sistema de home office mais perene ao jurídico, sem salas separadas, em modo coworking, junto a todos e entendendo a cultura e negócio da empresa efetivamente.
Agilidade para facilitar a solução jurídica, além da operação especificamente no core business (núcleo do negócio). A evolução do departamento jurídico ao lado das tomadas de decisões é um caminho sem volta?
O conhecimento está aqui para isso. Falo do treinar e até em ajudar os escritórios a gerir seus próprios custos.
A questão do entendimento do negócio não é gerar uma maior internalização jurídica ou redução da contratação de escritórios terceirizados, até porque as empresas analisam essa opção como mais cara.
Advocacia corporativa. Metas de performance e produtividade, assim como tabelas de honorários flexíveis e racionalização de custeio. São questões reais ou ainda distantes no departamento jurídico das empresas?
Pagamentos de honorários têm a ver com o nível de maturidade tanto do escritório quanto do departamento jurídico. Dados representam o ‘novo petróleo’ e falo das informações.
O que eu posso fazer para simplificar e ter uma gestão justa dos honorários, onde o escritório consiga manter a operação e a empresa não pague além do necessário?
Aqui entra a habilidade do gestor jurídico.
Com indicadores de desempenho eu poderia desenvolver métricas de pagamentos de honorários. Os resultados como aliados para uma remuneração justa, uma convergência vinda assim dos indicadores.
Quais são as reflexões para empresas que contratam os escritórios?
Minha sugestão é convencermos as pessoas que processos são muito mais que números, que representam a vida da empresa e podem ser a diferença entre um negócio prosperar ou afundar.
O negócio prosperando possibilita que as pessoas tenham emprego, gerem renda, alimentem suas famílias, é uma cadeia positiva sem fim. O advogado tem que ser parte do negócio, não pode olhar só a árvore, é necessário que enxergue a floresta.
Quando a empresa é exigente com a prestação do serviço executado, obviamente dentro das regras básicas de educação, urbanidade e respeito, ela está sendo uma grande parceira do escritório, que poderá entender o que a empresa espera, alinhar as expectativas e proporcionar crescimento profissional para todos.
(Crédito: Alessandro Manfredini – Artesania Comunicação Jurídica)
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